OS NOVOS LUSÍADAS
Por Joaquim A. Rocha
// continuação...
41
Os
godos eram da seita ariana,
Mas
converteram-se ao catolicismo;
Lutaram
contra a tropa romana,
Contra
Roma do imperialismo…
Foram
vencidos pela mourama,
Sujeitos
a severo despotismo.
Resistiram
nos montes das Astúrias
Apesar
das doenças e penúrias.
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No
século oitavo desta era
Vieram
os muçulmanos ou mouros;
Treparam
no terreno como a hera,
Levaram
tudo à frente como touros…
Comportaram-se
como loba-fera,
Roubaram
as quintas e mil tesouros.
O
seu chefe, indomável Tarique,
Esvaziou
silo e alambique.
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Na
nossa terra estiveram anos,
Sempre
em luta contra os cristãos;
Eram
os puros, crentes, muçulmanos,
Defendiam,
com a vida, o islão…
Matavam
os outros seres humanos
Se
não respeitassem o Alcorão.
Não
foi tudo mau da sua parte,
Pois
deixaram-nos ciência e arte.
*
Primeira
Parte
(1500 a 1820)
1
Em
mil e quinhentos sai do Restelo
A
frota comandada por Cabral;
Os
navios levavam pão, vitelo,
Muita
carne, conservada em sal…
Iam
em busca de terras, dum selo,
Para
a nobre causa de Portugal.
Descobriram,
por “acaso”, o Brasil,
Rico
de matas, ouro, rios mil.
2
Na
frota ia Bartolomeu Dias,
Que
dobrara o cabo das Tormentas,
O
Nicolau, comedor de azevias,
De
refeições simples mas suculentas…
Tiveram
tardes quentes, noites frias,
Manhãs
terríveis e mui ternurentas.
Duarte Pacheco ia contente,
Malta
do mar era a sua gente.
3
Dom
Henrique, um padre franciscano,
Futuro
carrasco, inquisidor,
Com
barba comprida, de muito ano,
Culto
e excelente orador,
Assaz
feio, coxo como Vulcano,
Era
mensageiro de seu senhor.
Rezou
no Brasil a primeira missa
Sem
receber dinheiro ou premissa.
4
Puseram-lhe
o nome de Vera Cruz
Àquele
espaço belo, sem fim;
Ar
puro, florestas, muita luz,
Gente nua, com língua avessa ao latim.
Desconhecendo
a morte de Jesus,
Ignorando
todo o mal, o Caim.
Amando
somente a natureza,
A
cor do sol, o céu, casta beleza.
5
Tentaram
converter aquela gente,
Ensinando
a rezar ao deus cristão;
Dizendo
que estava sempre presente
Na
sua alma e no seu coração…
No
seu espírito, na sua mente,
Apesar
de ser tal mera ilusão.
Depois
de tanta luta, tanto esforço,
Não
conseguem vergar o forte dorso.
6
Chamaram
índios, pele vermelha,
Àquela gente da livre selva;
Tendo
palhotas de barro, sem telha,
Pisando
terra grosseira, sem relva…
Comendo
raízes duras como relha,
Ignorando o bom vinho de Huelva.
E
para correrem com a má sorte
Rezavam
ao próprio deus da morte!
7
Índio
não aceita ser submetido,
Esconde-se
nas árvores, no mato;
Prefere
andar no matagal fugido,
Como
coelho selvagem, ou rato;
Até
ser morto, gravemente ferido,
Viver
as sete vidas como o gato.
Do
branco rejeita qualquer lição,
A
cruz de Cristo, hóstia ou pão!
8
O
europeu, mui astuto, esperto,
Atrai
a si o indígena puro;
Diz-lhe
que a fouce anda por perto,
Estar
junto de si é mais seguro…
E
o inocente, de peito aberto,
Cérebro limpo, mas um pouco duro,
Aproxima-se
do hábil gatuno
Vencendo
o parvo por oportuno.
9
Tudo
rouba, o cínico estrangeiro:
As
terras, costumes, a liberdade;
Só
não lhe furta joias e dinheiro,
Nem
coches, palácios, ou herdade.
Apesar
de ser tudo verdadeiro
Há
quem diga que isto é falsidade.
É
bom que a história se refaça
Para
a gente se rir desta chalaça.
10
E
ainda que digam que sou cruel,
Que
transporto o mal no meu fraco peito,
Que
tenho nos olhos peçonha e fel,
E
que às crónicas perco o respeito…
Eu
pergunto: quem destruiu Babel,
Quem
desviou aos rios o seu leito?
Porventura
Moisés era menos mau
Por
segurar nos braços santo pau?
11
Doença
destruiu parte do povo,
Poucos
sobreviveram à chacina;
Em
nome de um deus e mundo novo
Matam
lacaios, chefe, concubina…
Os
que restaram foram para o covo,
Cumprindo
penas, sua cruel sina.
E
assim, privados da sua liberdade,
Transformam-se
em noivos da saudade.
// continua...
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