POESIA DO VENTO
FRAGMENTO DO PREFÁCIO
Por JAR
(personagem, chamada Novidade; conto do escritor Mia Couto)
desenho de Ana Catarina Rocha
A poesia é para mim a possibilidade que o indivíduo tem de dizer
aquilo que sente, sem hipocrisia, sem fingimentos, mas com arte. O poeta põe a
nu o seu corpo, a sua alma, e confessa-se: não a um padre, não a um deus, mas a
si próprio. Ao poeta pouco interessa os outros. Estes são mais símbolos da
existência do que propriamente recetores da sua mensagem. Esta é enviada de
dentro para dentro e só rasga o tecido por descuido ou vaidade do ser humano.
Ninguém, desde que seja normal, gosta de aparecer sem roupa no meio da praça.
Dizem que o poeta não
é feliz. Há até quem afirme que só o infeliz pode ser poeta! A verdade é que há
poetas nos dois lados da fronteira: uns cantam a alegria, o sol, a natureza
viva, e outros, zangados consigo mesmos, só a tristeza, o horror, a agonia...
Por vezes, o mesmo poeta, muda de posição, sofre uma metamorfose, e torna-se
outro, como se fora duas pessoas totalmente diferentes.
No meu poema “Ser
Poeta” eu escrevo: «ser poeta é ser
nada/é ser ninguém». Quer dizer: o poeta despoja-se do seu «eu», reencarna,
ou assume, a vida de outrem; ignora a sua existência e realça a luta pelas
vidas alheias. Será assim? Será que o poeta, como pessoa, se identifica com
aquilo que escreve? / Se analisarmos a índole do poeta, tão complexa e tão
simples ao mesmo tempo, verificamos que são insuficiências de vária ordem o que
o leva a exprimir a sua dor ou o seu otimismo. Ninguém consegue falar, ou
escrever, se não tiver algo, por pouco importante que seja, para comunicar aos
outros. Se partirmos deste raciocínio chegamos à conclusão de que existe então
no seu espírito um desequilíbrio qualquer, uma necessidade imparável de deitar
para fora de si algo que o perturba. Ele procura compensar com palavras,
sentidas, quantas vezes amarguradas, aquilo que a vida, por diversas razões, não
lhe proporcionou ainda. A sua sensibilidade é afetada por acontecimentos que
não controla: por fraqueza ou por integridade. O poeta, quanto a mim, é um ser
íntegro, cheio de preconceitos, carregado de moral.
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