POESIA DO VENTO

FRAGMENTO DO PREFÁCIO


Por JAR 



 (personagem, chamada Novidade; conto do escritor Mia Couto)

desenho de Ana Catarina Rocha   


*


    A poesia é para mim a possibilidade que o indivíduo tem de dizer aquilo que sente, sem hipocrisia, sem fingimentos, mas com arte. O poeta põe a nu o seu corpo, a sua alma, e confessa-se: não a um padre, não a um deus, mas a si próprio. Ao poeta pouco interessa os outros. Estes são mais símbolos da existência do que propriamente recetores da sua mensagem. Esta é enviada de dentro para dentro e só rasga o tecido por descuido ou vaidade do ser humano. Ninguém, desde que seja normal, gosta de aparecer sem roupa no meio da praça.

     Dizem que o poeta não é feliz. Há até quem afirme que só o infeliz pode ser poeta! A verdade é que há poetas nos dois lados da fronteira: uns cantam a alegria, o sol, a natureza viva, e outros, zangados consigo mesmos, só a tristeza, o horror, a agonia... Por vezes, o mesmo poeta, muda de posição, sofre uma metamorfose, e torna-se outro, como se fora duas pessoas totalmente diferentes.

     No meu poema “Ser Poeta” eu escrevo: «ser poeta é ser nada/é ser ninguém». Quer dizer: o poeta despoja-se do seu «eu», reencarna, ou assume, a vida de outrem; ignora a sua existência e realça a luta pelas vidas alheias. Será assim? Será que o poeta, como pessoa, se identifica com aquilo que escreve? / Se analisarmos a índole do poeta, tão complexa e tão simples ao mesmo tempo, verificamos que são insuficiências de vária ordem o que o leva a exprimir a sua dor ou o seu otimismo. Ninguém consegue falar, ou escrever, se não tiver algo, por pouco importante que seja, para comunicar aos outros. Se partirmos deste raciocínio chegamos à conclusão de que existe então no seu espírito um desequilíbrio qualquer, uma necessidade imparável de deitar para fora de si algo que o perturba. Ele procura compensar com palavras, sentidas, quantas vezes amarguradas, aquilo que a vida, por diversas razões, não lhe proporcionou ainda. A sua sensibilidade é afetada por acontecimentos que não controla: por fraqueza ou por integridade. O poeta, quanto a mim, é um ser íntegro, cheio de preconceitos, carregado de moral.

Comentários

Mensagens populares