POESIA DO VENTO
OS MEUS SONETOS E OS DO FRADE
PREFÁCIO
«O
soneto, derivado do franco-provençal sonet, diminutivo de son, que significa
melodia, é uma forma poética cuja invenção é atribuída a Jacopo da Lentini,
poeta da escola siciliana que viveu e escreveu na primeira metade do século
XIII. Sobre a origem do soneto têm-se defrontado desde o século XIX duas teses:
- segundo uma, o soneto tem origem popular, resultando da fusão de dois estrambotes
sicilianos, um de oito e outro de seis versos. Segundo outra, o soneto deriva
de uma estância independente da canção (cobla esparsa).
Segundo alguns
investigadores contemporâneos (por
exemplo Fubini)
estas duas teorias não são mutuamente incompatíveis: como comprova a rima
cruzada das quadras dos sonetos mais antigos de Jacopo da Lentini, rima
prosseguida nos tercetos (ABAB… CDCD) o modelo originário seria de facto o
estrambote ou a canzuna siciliana de oito versos, forma poética popular; na
reelaboração, porém, deste esquema versificatório por poetas cultos faz-se
sentir a influência da estrutura da canção, aparecendo então as rimas d’Arezzo,
poeta da segunda metade do século XIII, o primeiro a usar este esquema rimático
– e passando a distinguir-se claramente os dois quartetos e os dois tercetos do
soneto (…) e enriquecendo-se de novas modalidades o esquema rimático dos
tercetos. A origem do soneto seria, assim, híbrida: o estrambote, forma da
poesia popular, ter-se-ia fundido com a poesia de arte, criando-se deste modo
uma forma poética mais complexa.
Adoptado por poetas como Cavalcanti, Dante e,
sobretudo, Petrarca, o soneto em breve se transformou numa das mais relevantes
formas poéticas do dolce stil nuovo, revelando-se particularmente apto para a
expressão do sentimento amoroso, mas também para a meditação moral e para a
captação satírica do real quotidiano.» (Aguiar e Silva)
Erich Auerbach, na sua obra “Introduction
aux Études de Philologie Romane”, ensina-nos: «A actividade literária começa no século treze pela imitação da poesia
lírica provençal; os primeiros trovadores do norte da Itália, como Sordello de
Mântua, que escreveu os seus versos pouco depois de 1200, serviram-se inclusive
da língua provençal, mas no sul, na Sicília, a imitação da lírica cortês fez-se
em italiano. Em Palermo residia o último imperador da grande casa alemã dos
Hohenstaufen, Frederico II (morto em 1250), herdeiro, por parte da avó, uma
princesa normanda, do reino da Sicília e de Nápoles... É um dos homens mais
notáveis da idade Média, tanto pelas suas ideias políticas como pela sua
formação intelectual; ele, seus filhos e sua corte foram os primeiros a compor
poesias de inspiração provençal em língua italiana; imitaram a forma principal
da poesia provençal, a grande canção de amor, e inventaram, a par dela, uma
forma mais breve e mais concisa, que se tornou a forma lírica mais usual da
poesia lírica italiana e que, mais tarde, foi imitada em toda a Europa: o
soneto, poema de catorze versos de dez sílabas, composto de duas quadras e de
dois tercetos…» (Tradução de José
Paulo Pães).
E Amorim de Carvalho: «O soneto, que é o mais célebre sistema
estrófico, e que os clássicos levaram à mais alta perfeição formal, consta de
quatro estrofes isométricas (mesmas
dimensões):
duas quadras, mais dois tercetos, perfazendo, portanto, catorze versos, com
transportação das rimas da 1.ª para a 2.ª quadra e transportação das rimas do 1.º
para o 2.º terceto. A distribuição mais prestigiosa das rimas é a deste exemplo:
ABBA; ABBA; CDC; DCD (“Meu
ser evaporei na lida insana”, de Bocage).»
«Em
virtude da aproximação de ideias que, por via de regra, há entre as duas
quadras (na 1.ª o poeta põe a
tese, na 2.ª explana)
e entre os dois tercetos (no 1.º o poeta
confirma a tese, no 2.º conclui), facilmente o soneto configura dois grupos de estrofes
compostas: uma oitava composta de duas quadras mais uma sextilha composta de
dois tercetos; nunca, porém, duas estrofes simples. É, pelo menos, assim no
soneto perfeito. Aparecem, frequentemente, nos clássicos, com ou sem simetria,
várias formas de distribuição de rimas para as quadras, embora mantendo o
critério das duas rimas. Aos tercetos é que já se deram, com frequência, três rimas,
assim: CDE-CDE; CDE-EDC; CDC-CDC. Ou assim, sem simetria: CDE-CED; CDE-DCE. Na
poesia clássica portuguesa o decassílabo (dez
sílabas)
é o verso próprio do soneto, reputado o mais belo e grave. Só modernamente tem
sido desrespeitado o uso exclusivo desse verso, assim como as distribuições
rimáticas que atrás apresentámos.» (Tratado de Versificação
Portuguesa).
Depois destas valiosas transcrições, quero
também dizer duas palavras da minha lavra. A primeira é para lembrar que o
soneto não é de maneira nenhuma um poema que se faça com ligeireza. Bem pelo
contrário, exige tanta concentração que por vezes até apetece desistir. Ter que
contar em catorze versos de dez sílabas uma história, resumida que seja, expor
um sentimento, uma ideia, não é nada fácil. Mas vale o esforço. De facto, o
soneto, sendo bem elaborado, é de uma beleza inigualável. O meu sonho (quem não os têm?)
é um dia aproximar-me dos grandes mestres portugueses: Camões, Bocage, Antero,
Florbela… Essa meta é quase inatingível, porque eles foram génios e eu sou apenas
um técnico da palavra, com um ou outro verso mais conseguido. O primeiro soneto
que escrevi data dos anos setenta, depois da Revolução de Abril, inspirado sem
dúvida pelos acontecimentos históricos de então. Não se pode, contudo, datar
rigorosamente porque após isso já mexi neles todos – mudando palavras, até
alterando por vezes o próprio conteúdo semântico!
Já me apeteceu torná-los intemporais, mas
por enquanto tenho resistido à tentação diabólica e tola. Fica no entanto aqui
este registo que visa dois objectivos:
1.º - Aqueles que
porventura me lerem, não levem muito em conta as datas que aí figuram.
2.º - Se não tiverem
qualquer datação é porque não consegui suster os meus ímpetos destrutivos.
Há anos atrás um pseudo crítico sugeriu-me
que abandonasse a poesia e me dedicasse somente à prosa. Achava ele que eu não
tinha jeito para esta sublime arte. Apesar dessas contrárias opiniões,
continuo.
Não só por teimosia, mas convencido de que
quem trabalha arduamente numa determinada profissão ou arte, alguma coisa dali
há-de sair um dia. Não é verdade que Camilo Castelo Branco, que ninguém reconhece
como poeta, escreveu um dos mais belos sonetos da língua portuguesa? Estimulado
por estes exemplos, prossigo no caminho que desde há muitos anos tracei. Quando
for velhinho, e já não puder escrever, então nessa altura farei um balanço de
tudo aquilo que fiz no passado e logo verei se algo de bom ou ótimo produzi. Se
nada se aproveitar daquilo que fabriquei, é sinal de que o meu esforço, o meu
suor intelectual, foi inútil e que mais me valera ter ido para a praia tomar
banhos de sol, banhar a mente bronca, espreguiçar o meu ócio, ou então vestir o
fato de campónio e ir para o campo semear batatas e feijões. Logo se há-de confirmar
uma destas hipóteses. Mas também penso, ao contrário desse “crítico”, que se
não existissem pessoas como eu, teimosas e medianamente dotadas, não haveria
igualmente essas grandes estrelas, cuja luz nos ofusca a todos.
Nós, os poetas não famosos, somos necessários
– se mais não fosse para servirmos de termo de comparação com os maiores, os consagrados. Não
ficamos, é certo, nas Histórias da Literatura, mas que importa? Um livro nosso
há de sempre surgir numa modesta biblioteca e talvez um qualquer leitor, embora
distraído, o abra para ler. Não seremos tese de licenciatura, muito menos de
mestrado ou doutoramento. Que importa? Essas teses são normalmente odiosas para
aqueles que as elaboram e detestáveis para aqueles que as têm de ler por razões
de ofício. Pelo menos aí nós ficamos a ganhar!
Voltando ao soneto: esta forma de poesia
tem imenso trabalho oficinal até se dar por concluído. Talvez seja por isso que
hoje em dia praticamente não há sonetistas dignos desse nome. Poucas pessoas
estão dispostas a perder tempo com o soneto quando com duas penadas, no
computador, escrevem um “poema” tipo carta para longe, que ninguém percebe,
onde o hermetismo é mais falha de saber do que intenção. Depois publicam,
porque os donos da editora são amigos do papá, ou então fazem edição de autor,
com o dinheiro da mamã! E os parolos comentam: - «que beleza de versos: não percebi nada, mas que interessa?!»)
A poesia é para ser entendida, de
contrário não se justifica. A arte pela arte é apenas uma utopia. Quem escreve
gosta de ser lido e compreendido. Deseja que a sua mensagem (porque ela existe)
seja apreendida, decifrada e até partilhada.
A poesia tem sido usada aos longos dos
séculos como arma de revolta e de agitação na voz de grandes e médios cantores.
Ainda não há muito tempo, aqui em Portugal, Zeca Afonso, Adriano Correia de
Oliveira, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Vitorino, entre outros, a usaram
com eficácia e gosto. Também noutro palco o actor João Villaret (1913-1961)
recitou poemas com brilho e beleza inultrapassáveis. Mário Viegas tentou
seguir-lhe os passos e por vezes conseguiu aproximar-se do mestre.
Um livro é como a vida – um amontoado de
páginas! A diferença está na ordem: naquele, elas obedecem a um critério
rigoroso; nesta, nem por isso, o caos por vezes predomina. Espero que ao lerem
estes medíocres e insípidos sonetos não bocejem. Se isso acontecer, caro leitor,
arrume o livrinho na estante e leia outro tipo de literatura. Que tal a
Odisseia e a Ilíada, de Homero, a Eneida, de Virgílio, ou a Guerra da Gália, de
Júlio César? E se quiser rir, e também meditar, leia o Dom Quixote de La
Mancha, de Miguel Cervantes. Essa leitura tem uma enorme vantagem: sabe-se de
antemão que são obras de grande qualidade, autênticas obras-primas.
A inserção aqui dos sonetos do frade (no Notícias de
Melgaço n.º 846, de 18/1/1948, página 2, diz-se que ele se chamava Agostinho da
Cruz – onde teriam conseguido essa informação?) e as respostas,
quer a minha (JAR), quer a do juiz e a do Elmano Minhoto
(cujo
nome verdadeiro dizem ser Carlos Alberto Seixo, mas com algumas reservas),
não visam o escândalo para promover vendas, mas sim levar ao conhecimento dos
leitores, sobretudo dos melgacenses, aquilo que se escreveu da nossa querida terra:
seja o positivo, seja o negativo. E é bom sublinhar que ele, frade, fala da Vila,
não do concelho. Nós não somos cegos, nem idiotas, e sabemos perfeitamente que
numa vila, ou numa cidade, vai existindo gente boa e gente com mau carácter ao
longo dos séculos. Há-de ser sempre assim enquanto houver seres humanos. Porém,
o fradeco exagerou propositadamente! A sua escrita tem como objetivo vingar uma
afronta que alguém da vila de Melgaço lhe fez. Não se compreenderia se fosse
doutro modo. Não sei a que mosteiro pertenceu, mas em princípio devia ser monge
de Fiães, pois assim o dá a entender o juiz Dr. Cândido Furtado Dantas em 1798.
Se eu fosse escultor, erguer-lhe-ia uma
estátua, onde ele, de joelhos, pediria perdão eternamente aos naturais e residentes
da Vila de Melgaço – era o castigo que lhe dava!
O soneto «Sinal Meu» foi inspirado num
outro, publicado no «Notícias de Melgaço» n.º 128, de 25/10/1931, que por sua
vez se inspirara num soneto de Camões.
Quanto ao sinal, a história é simples: comprei
uma pequena casa, dei um adiantamento e, depois, por ter surgido uma doença na
família, tive que desistir e fiquei sem esse dinheiro.
O do jornal chorava uma nota de 500$00 que
tivera que gastar, e escrevera o soneto na dita nota! No meu caso, o choque (e o cheque)
foi mais sensível porque o dono da vivenda era meu colega de Empresa! Por outro
lado, vendeu dias depois a habitação, não perdendo tempo nem capital com a
minha desistência.
Quanto ao soneto «O Cão da Rasela», é
inspirado no seguinte artigo de jornal, escrito por um seu correspondente:
«Faleceu,
a 12/12/1954, no lugar de Parada, Chaviães, Melgaço, a indigente Rosa Pires (Rasela),
que por caridade dos senhores José Maria Esteves e Júlio Alves, vizinhos da
finada, foi feito um peditório para angariar o necessário para o caixão e
outras despesas inevitáveis. No enterro da pobre Rasela um facto chamou a
atenção de toda a gente e deu a nota interessante da sua grande bondade.
Possuía ela uma cadelinha, companheira inseparável da velha, e comparsa das
suas horas de alegria e de dor. Com o falecimento da infeliz Rasela, faltaram
ao inteligente animal os carinhos habituais; ele estranhou o facto e todo o
tempo que durou o depósito da defunta não foi capaz de a abandonar, como não a
deixou em todo o acompanhamento, nem para comer! // Escorraçado o pobre animal
nesta ocasião, afastava-se um pouco para logo voltar para o pé do caixão mortuário.
E agora que o corpo da infeliz Rasela descansa em paz no cemitério paroquial,
ainda lá permanece, de dia e de noite, a uivar, que outra voz lhe não deu Deus,
para mostrar aos homens a saudade da sua pobre dona. Pobre animal! Como é grande
o teu exemplo!» (Notícias de Melgaço 1137, de 19/12/1954).
// continua...
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