OS NOVOS LUSÍADAS
// continuação...
21
Tinha
na minha mente castigar
Os
sanguessugas desta linda pátria,
Os
vis parasitas, sempre a louvar,
A
comer à lauta da teta mátria.
Mas
as pernas dobram, falta o ar,
A
longa energia foi pra a via láctea.
Porém farei das tripas coração,
Para
que não criem falsa ilusão.
22
Esquece,
velho e digno Camões,
As
nereidas e as lindas ninfas do Tejo.
Os
grandes feitos, as vãs ilusões,
Que
tudo isso eu hoje já não vejo.
Dos
céus mandam-nos enormes tufões
Pragas de mosquito e percevejo.
E
pra que eu possa cantar o país
Devo
arrancar o mal pela raiz.
23
Os
rios estão sujos, poluídos,
Os
mares já não tem a azul cor;
Os
belos bosques foram destruídos,
As
florestas choram, de medo e dor.
Os
animais fogem esbaforidos,
Humanos
não amam a Zeus senhor.
Já
ninguém aqui tem apego à vida,
Pois
sentem que a pátria está perdida.
24
A
besta fez do Estado a coutada,
Onde
caça a pomba e a perdiz;
O
incauto é sua presa amada,
E
este povo, inerte, nada diz.
Tudo
e todos são alvos da cilada,
Ninguém
escapa às armas subtis.
E
tu Camões, que esta terra cantaste,
O
teu saber e arte em vão gastaste.
25
Porém,
nem tudo estará perdido,
No
ar restam sementes de esperança;
Algum
povo não se deu por vencido,
E
luta por justiça e bonança;
Tendo
por si a seta de Cupido,
A
inocência de Sancho Pança.
De
Vénus há de vir ajuda grande
E
tudo mais que o coração mande.
26
Este
planeta, único e belo,
Voltará
um dia ao seu normal.
Cairá
a muralha, o castelo,
O
sacrário, o vil pedestal.
Thor
trará de novo o seu martelo,
Acabará
por fim com todo o mal.
E
o povo, o eterno sacrificado,
Será
dos deuses novamente amado.
27
Invocarei
as cem forças do bem,
Para
me ajudarem nesta tarefa;
Pois
sozinho, serei um zé-ninguém,
No
meio da multidão, da catrefa…
Duvido
se chamarei mais alguém
Pra
servir de cadilho, de sanefa.
Ai,
se eu tivesse o apoio do Olimpo,
Pra
este poema eu tornar limpo!
28
Pedirei
ajuda aos bons poetas,
Escritores
daquém e além mar;
A
todos os deuses, aos mil profetas,
À
natureza, astros, ao luar...
Tirarei
manuscritos das gavetas,
Lançá-los-ei
aos ventos, ao puro ar!
Porém,
peço-vos, ninguém me apresse,
Antes
que Hermes ouça minha prece.
29
Eu
só quero ter arte, o talento,
Pra
vos dar uma obra acabada;
Passarei
mil noites de sofrimento
Deitar-me-ei
quase de madrugada.
Não
haverá mais arrependimento,
Tédio,
uma grande estopada…
Tudo
isto farei com gozo, prazer,
Preferindo
o trabalho ao lazer.
30
Resistirei
à fome, ao cansaço,
Pedirei
a Hércules sua força,
O
seu longo e poderoso braço,
Um cérebro veloz como a corça,
Um
tronco mais forte do que o aço,
Pois
o querer na luta se reforça...
E
jamais o ser humano se esqueça:
Só
deve criticar quem o mereça.
// continua...
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