POEMAS DO VENTO 

Por Joaquim A. Rocha

                                                                   desenhos de (?)


// continuação...

O poeta é um sonhador…

 

sonha tão constantemente

chega a sonhar o amor

um sonho de toda a gente

 

E quando pela tarde fora

sonha aquilo que não foi

aos seus lábios aflora

um sorriso que nos dói

 

Perguntar-lhe porque sonha

é vão e não faz sentido

perguntem ao vil ladrão

porque anda sempre fugido

 

O poeta é um sonhador

sonha tão ardentemente

que sonha ser tudo amor

neste ninho de serpente

 

E quando pela tarde fora

sonha como habitualmente

aos lábios puros aflora

 um sorriso estranho e quente

 

Dir-se-ia um peregrino

caminhando em sua mente

fugindo do mar de gente

em busca do seu destino

 

Porque sonha não se perde

anda assim infindamente

seu olhar é sempre verde

porque verde é sua lente

 

*

 

PORTUGAL

 

Da menina dos olhos

nasceu-lhe um pinheiro

construiu um barco

fez-se ao mundo inteiro

 

Da menina dos olhos

nasceu-lhe uma estrela

construiu os mundos

guiado por ela

 

Da menina dos olhos

nasceu-lhe uma espada

construiu a guerra

reduziu-se a nada

 

*

 

O poeta é um experimentador,

tudo experimenta na vida;

até quando experimenta a dor,

ele di-la consentida!

 

A Fernando Pessoa:

 

Olá amigo!

Hoje estou aqui para falar contigo.

Sabes: há relativamente pouco tempo

que te conheço. Ouvia falar de ti,

Vagamente, na escola.

Não te conhecia! Os teus poemas,

 na Comercial, não eram dados

para análise. «São de difícil

interpretação, só para alunos do

superior», diziam.

Será que os professores, não te

conhecendo, não queriam arriscar?

De quem é a culpa?

Tu és um quebra-cabeças. De facto

quiseste ser muitos simultaneamente!

Um corpo tão franzino como o teu!

Com tantos outros dentro!

Quantos cérebros tinhas? «Tantos

quantos eu fui», responder-me-ias.

E todos complexos, na sua complexidade/

simplicidade. Um afirmava e logo

outro dos teus outros afirmava o

contrário do outro. O diabo!

Por que quiseste ser tantos?

Um bastava. Mas não! Quiseste ser tu,

mais o contrário de ti, mais o crítico

de ti e dos outros, e ainda o mestre!

E mais, muito mais! Quiseste ser tudo

e todos! E nós? Não pensaste em nós.

Nem sequer pensaste, tu que tanto

 pensaste, que nós também queríamos

um lugar ao sol ou à sombra. Uma

migalha apenas!

Sabes? Conseguiste baralhar-nos!

Hoje estudamos a tua obra, fragmento

a fragmento, e depois juntamos tudo

e voltamos a estudá-la! Depois,

tentamos saber aquilo que é teu, o

que é do outro dos teus outros, e

chegamos sempre à mesma conclusão:

tu, és tu, menos os outros tus, e

mais os outros tus.

Claro que estás a rir-te. Sempre te

 riste interiormente! Julgas-te

superior, eu sei. Talvez o sejas…

Que sabias coisas, sabias. Não está

isso em causa. Mas também tinhas

muita ronha nesse corpo! Tu não foste

um super Camões: foste um grande gozão!

Brincaste sempre connosco. Não foste

somente um fingidor: foste um exímio

experimentador. O teu sentido do real

era irreal! Nunca acreditaste muito

na metafísica, porque estavas por

dentro dela. Aristóteles e Platão

nada te ensinaram a esse respeito.

Engendraste um mundo onde nem sequer

tu cabias! Recorreste às estrelas

e elas fecharam-te a porta na cara!

Daí nasceu o grande drama da tua

vida. O Rossio na Betesga!

Mas por que estou eu a falar de ti?

A gastar o meu papel e tinta, o

meu tempo, o meu latim?!

- De ti, cuja vida é uma incógnita?

Tu és uma obra, e a obra que tu és

ganhou a imortalidade. As nuvens

abriram para ela uma estrada de luz!


// continua...

Comentários

Mensagens populares