POEMAS DO VENTO

Por Joaquim A. Rocha 




// continuação...



Os mendigos crescem absurdamente

nesta cidade, nesta Lisboa cosmopolita!

 

Tu, ó cidade, permites

que as tuas ruas tão estreitas,

os teu passeios acanhados,

estejam atravancados, pejados,

de mendigos?!

Tu, ó Lisboa antiga,

cheiinha de tradições,

consentes que a tua beleza

seja conspurcada pelo cheiro

nauseabundo das feridas

cancerosas desses outros deserdados?

Tu, ó cidade dos poetas, dos heróis,

dos beatos, permites que nas tua ruas

seres humanos se arrastem como vermes?

Seres que poderiam ter sido heróis, poetas ou beatos?!

Oh!... cidade da desilusão.

Oh!... cidade do desespero!

 

Sede do Banco de Portugal,

da Caixa Geral de Depósitos,

do Ministério das Finanças,

do Ministério da Justiça,

do Ministério da Cultura;

sede da miséria encoberta,

da prostituição e chulice,

da droga e do alcoolismo,

sede de tudo e de todos,

sede do ódio, da intriga, do amor,

sede de vingança e sede de justiça.

 

Lisboa cidade, o teu ventre rebenta!

O teu peito estala; o teu coração pára.

 

 Cidade mãe e cidade madrasta.

Já era tempo de dizeres: basta!

 

Tu és a cidade das revoluções,

tu és a cidade jardim,

tu és a cidade museu,

tu és a cidade, cidade!

 

Não podes ser a cidade fantasma,

a cidade mistério,

a cidade miséria,

a cidade das contradições.

 

Tu és a cidade da luz,

não podes ser a cidade da sombra!

 

Limpa as tuas vestes,

 põe água de colónia e sai à rua.

Passa pelas Ruas Augusta, Garrett,

Áurea, e tantas, tantas outras!

Tropeçarás, como eu, nas pernas

lázaras, nas chagas imundas, nos

braços estendidos mecanicamente!

Visita o Rossio, esse local

histórico, e verás a miséria

que ele alberga!

 

Lisboa prostituída,

Lisboa de alguns,

liberta-te, libertando!




A NOITE

 

Uma noite nesta cidade

- igual a outras!

Sempre igual na verdade.

Sempre igual: nada muda!

Ao descer sobre a cidade

(a noite)

O crime desce à rua

e a mulher (que a ela pertence)

acorda: é manhã para ela!

Espreita à janela

e vê o princípio do seu dia:

a noite!

Vagueia pela rua

ou tem pousada certa

 onde o noctívago a encontra.

Um, outro, ainda outro,

desfilam em sua vida incerta.

A moral é algo que para si não conta.

Os homens da lei patrulham

- mas nada veem!

A miséria escondida

à noite aparece: roubos, assassínios…

Tudo acontece – de mal - à noite!

Noite perversa

que tudo cobres

com teu manto escuro.

A tua alma denegrida

faz a muitos negra a vida.

Filhos sem pai, elos sem ligação.

Não tens coração, ó noite?!

Lembra-te que tuas filhas

já tiveram almas sãs

que tu lhes roubaste

e nem com elas choraste

essa perda irreparável.

Eu sei que também tu – miserável!

não tens a alma pura

nunca tiveste ternura

nunca tiveste um amigo

que te livrasse da desventura.

Os poetas em ti se inspiraram,

suas lágrimas choraram os enamorados.

Mas ninguém em ti reparou.

Ninguém ouviu teus soluços.

A descrença então de ti se apoderou.

E a tua cólera, a tua amargura,

despeja-las sobre as tuas

vítimas indefesas.

Malditas sejas, ó noite,

que da sociedade és o açoite,

a miséria em ti se alberga!

O criminoso em ti se apoia,

as frágeis filhas se perdem.

As tuas lágrimas, se as chorares,

não compadecem.

Não mereces perdão

és falsa e daninha

és vil e mesquinha

mereces a morte.

Essa será sempre a sorte

de quem como tu alma boa corrompe.

 

A manhã irrompe. Morre a noite.

 

Voltará?!


// continua...

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